A evolução, no sentido representacional, da imagem escultórica na Grécia antiga, percorre um caminho que partiu da rigidez estilística da escultura egípcia que podemos observar no período arcaico, atingindo ao final deste percurso, a exatidão representacional que reconhecemos na escultura “Kristian Boy”, século V AC. Estranhamente, este rigor mimético, uma vez conquistado pelos artífices gregos, foi logo abandonado, voltando-se toda imagem escultórica, a partir de então, ao modo idealizado de produção, referenciado novamente, pelas figuras de córus e coré. Considerando esta premissa, podemos dizer que a imagem artística é algo que transcende a mera figuração mimética, e é neste âmbito que vamos abordar a atitude da artista em questão.
Ao adentramos no universo de imagens que Chrystiane Correa disponibilizou para esta mostra, podemos dizer que a indecisão entre a techné e a poyesis foi superada, uma vez que torna se explicito para nós, sua inclinação em direção ao não representacional, uma opção clara pela diferença, em vez de igualdade. As imagens planares desta artista visual, não buscam a exatidão figurativa, muito pelo contrario, elas são um decaimento, no sentido racional puro deste termo, uma versão pessoal, referenciada por uma experiência memorial junto a natureza e ao tempo. Suas imagens não descrevem o mundo vegetal exclusivamente, nem decidem pelos simbolismos internalizantes das, em vez disto, mesclam impressões originadas do seu interior imaginativo pessoal, com as imagens oriundas da natureza que engolfa um sujeito artista, inscrito em um atelier, no Engenho do Mato em Niterói. Baseados nesta compreensão, podemos então dizer que: no transito entre o simbolismo proliferativo e caótico da internalidade do sujeito, e uma enxurrada de imagens naturais, nesta diferença, entre o dentro e o fora, entre a representação e a transubstanciação das imagens, residem as obras de Chystiane Correa. Deste modo, sabemos então de antemão, que: o termo “original”, só aplica se, ao natural, e que resta para as imagens que produzimos, a condição de coisa traduzida pela sensibilidade humana, algo que não é exato, mas que é acrescido pela incerteza e dúvida que permeia a substância poética.
Fundamentada nestas diferenças, Chystiane nos surpreende, mais uma vez, quando faz uso de imagens reproduzidas em canvas, a partir de seus “originais” para esta exposição. Quando constatamos este fato, além de toda esta reflexão sobre a originalidade das imagens, algo transcende a estes limites do termo. Ao reproduzir suas imagens, expondo estas, ao lado das telas, a pintora toma uma decisão, mais uma vez corajosa, de jogar com o iconográfico e o popular. Pinturas e reproduções, lado a lado em uma mesma exposição, nos trazem um clima de democratização do acesso à produção artística. Resta neste gesto, a constatação de um ato de generosidade e desprendimento. Ao deslocar suas imagens, da esfera especial do colecionador, para o âmbito do acesso popular, a artista provavelmente, vai cair em uma política, mais horizontal, de disseminação das suas imagens. Talvez seja esta a decisão que esteja faltando no sistema de arte de um modo geral. Na era da ampliação, ao extremo, das imagens e da sua reprodutibilidade técnica, aproximar a arte com o cotidiano, constitui uma estratégia que problematiza a noção de “lugar da arte”. Escolher uma via de popularização para as imagens é enfatizar o lugar onde se encontram as pessoas realmente, contexto e ultima instancia onde a obra de arte nasce finda, e sobrevive, quando é justificada pelo senso comum.
João Wesley de Souza - Julho de 2011
Mestre em Linguagens Visuais pela UFRJ e Doutorando em Linguagens e Poéticas da Arte
Contemporânea pela UGR, Espanha.
Considerando a apresentação de novos artistas para a militância no sistema de arte como um dos papeis mais relevantes que uma Galeria poderia exercer no atual contexto cultural, acreditamos estar neste momento contribuindo a nossa maneira com a mostra de pinturas de Chrystiane Correa. Este fato consiste em mais um esgarçamento do nosso horizonte visual e este é o objetivo da Galeria Lana Botelho. Deparar com a realidade frontal proposta pelas imagens pictóricas de Chrystiane Correa e conviver com a possibilidade de situar-se além da opacidade estabelecida pelo primeiro olhar. Um sistema dialético aparentemente simples, que transita entre uma noção de ordem e de caos, acaba produzindo uma complexidade estrutural que se assemelha à rudeza implícita no caráter proliferativo e entrópico da floresta tropical sul-americana.
Longe da possibilidade de domesticação, as imagens de Chrystiane exercem sua expressão sem nenhum limite, expandem-se em todas as direções, redefinindo constantemente seus referentes, inviabilizando qualquer chance de precipitação de leitura, ou apreensão de sentidos. Sua pintura é o verdadeiro embaraço para ao olhares mais racionais. Seu território poético se estende pelo conjunto das sensações descabidas e das emoções sem controle. Rousseau e os Fauves não seriam nenhum exagero de referencia frente à realidade explosiva que sua pintura contem e pode desencadear. A obra desta pintora suscita-nos, de imediato, uma sensação de força. Somos levados a reconhecer a presença de uma carga energética que coloca todas as nossas certezas em cheque.
Não se trata aqui de um desejo de delimitação de um território poético, mas sim da destruição consciente de qualquer tentativa de construção de um campo identitário fixo. O trabalho de Chrystiane Correa não pretende discutir uma possível noção de identidade, mas estabelecer um procedimento aberto, que nos permita pensar sobre alguns momentos de identificação.Tal magnitude de propósito e coragem só pode ser encontrada no trabalho daqueles que ainda são livres e puros. Enfim, o encontro com tais imagens planares, deixa-nos a certeza da existência de uma substancia investigativa, que se inclina na direção dos grandes temas, visualidades que circundam o encontro entre a dimensão humana e a grandeza do cosmos.
João Wesley - MD linguagens visuais - UFRJ - 2003
Com muita frequência tenho visto as imagens que você me enviou e cada vez mais sinto que seus trabalhos ganham um sentido totalmente plástico. Percebo uma lógica incrível. Confesso entretanto, que cada vez mais me afasto de qualquer discurso verbal que dê conta do que vejo.
Nesse quadro que anexei percebo como você cria uma consciência de um espaço plástico. Ou melhor, quando o suporte deixa de ser um objeto e passa a ser o suporte dessa consciência de um espaço plástico. Portanto qualquer coisa anterior à pintura, um momento sagrado que vai posteriormente se realizar com uma explosão de imagens, como um delírio. Em todo caso perguntamos: um pré-fenômeno? E tudo se faz graças a seu enorme saber o olho.
Se observarmos um barra vermelha na base inferior esquerda podemos dizer que é ela que permite esse momento anterior aos fatos pictóricos. Talvez seja melhor transcrever aqui algumas palavras de Paul Valéry retiradas de seu texto "Leonardo e os filósofos." Sem essa barra as figuras se atropelam umas às outras, pois elas não mais convivem em um espaço plástico. O caos se instala. Emas isso é também um outro dado de seu trabalho.
“O filósofo descreve o que pensou. Um sistema de filosofia se resume numa classificação de palavras ou numa tábua de definições. A lógica não é mais do que a permanência dessa tábua e o modo de utilizá-la. Acostumado a isso, não podemos deixar de conceder à linguagem articulada lugar principalíssimo no regime de nossos espíritos. Não resta dúvida que este lugar é merecido, nem de que essa linguagem, mesmo que formada por inumeráveis convenções, é quase nós mesmos. Quase não podemos ‘pensar’ sem ela, nem podemos sem ela dirigir, conservar, recuperar nosso pensamento, nem, sobretudo... prevê-lo em certa medida.
Mas examinemos mais de perto; olhemos dentro de nós. Apenas nosso pensamento tende a se arredondar-se – vale dizer, a se aproximar de seu objeto, tratando de operar sobra as coisas mesmas (na medida em que seu ato se converte em coisa) e não já sobre signos quaisquer que excitam as ideias superfícies das coisas –, apenas vivemos esse pensamento, sentimo-lo separar-se de toda linguagem convencional. Por muito intimamente que esteja entrelaçada com nossa presença e por muito densa que seja a distribuição de suas ‘probabilidades’, por muito sensível que seja em nós essa organização adquirida e por muito pronta que esteja a intervir, podemos com um esforço, com uma espécie de amplificação ou uma pressão contínua, separá-la de nossa vida mental imediata. Sentimos que nos faltam as palavras e sabemos que não há razão para que existam as que nos respondam – quer dizer ... as que nos substituam –, pois o poder das palavras (do qual tomam sua utilidade) é trazer-nosa situações já experimentadas, é regularizar ou instituir a repetição; e nos encontramos agora a essa vida mental que nunca se repete.”
Gostaria que você, se quiser, me falasse um pouco se seu processo de criação.
E há a poesia, e esse poema de Thereza Christina Rocque da Motta.
Agora pertences à beleza anterior à coisas.
Estás diante do silêncio das palavras sem precisar dizê-las
Pertences à manhã mesmo indivisa como se existisse antes.
Pois nada é possível até o fim da espera
Jose Maria Dias da Cruz - Artista plástico - Professor de Artes - Teórico da cor - Escritor
Soprando em novos lugares, que até já coloquei os meus pés, não foi para mim o que está sendo essa mostra em Paris , no Carrousel du Louvre, nesse tempo . Engolfada pelo ateliê desse lado do oceano, puxo as luzes da altura até onde minha cabeça solta pode chegar e vejo que posso habitar na alegria do que essa exposição me excita. Minhas mãos que livres estão, navegam numa mistura de coisas, de cores, de formas e de gente, portanto, não penso em só materializar o invisível, mas em buscar uma certa realidade para que quando a pintura entre em contato com o espaço , a ambientação e com o olhar rápido, até veloz ou contemplativo das pessoas, elas não possam se envolver com algum ponto de vista radical, ou opinião já formada. Acho essa liberdade interessante.
A concentração de todo o processo criativo, é mais internalizada entre o suporte, o fundo, o plano, o figurativo ,o abstrato e a experiência das sensações, em sempre desafiar os meus pensamentos convencionais, assim como as técnicas, para enxergar de um jeito novo.A surpresa que também se apresenta para os meus trilhos e me faz inspirar mais, em diferentes rumos, aprendendo sempre!Percebo que esse fluxo, esse fluido, deixa a minha pintura mais vigorosa e versátil. Existe nessa atmosfera, uma coisa sempre luminosa, porque reflete bem o que sinto . Não quero reter , quero semear! Em meu gestual interior, me direciono para o extremo, mas tudo muda em segundos , porque é a fração, o instante entre o que não se vê e a realidade ativada por reflexos do movimento q se pode tocar, que surge , que nasce, o que tanto se espera. É reativo! Aquilo que voce convida a se manisfestar , volta para você! É certo que as vezes, esse limite se torna impreciso e potencializa o gesto no ato pictórico, em plenitude poética e como sempre , emergindo no meu máximo. A intensidade quase me leva a mistura de nocaute e paz. . . . O sopro vai entrando junto c a delícia da brisa e toda a flexibilidade da imaginação, trazendo as possibilidades de incríveis nuances e orgânicas formas. . . e nessa, quero, tento , achar um caminho para se tornar irresistível a união de pessoas ,diálogo de olhares , de devaneios se encontrando em conexões espalhadas, independente da versatilidade cultural de cada um. É bem assim , que chamo de todos os cantos , os bons ventos e levando do lado de cá , os outros mares~ ~ ~
Chrystiane Correa - Artista visual - 2014